O Incra estuda instrumentos para coibir a aquisição de terras brasileiras por empresas e cidadãos estrangeiros. A medida vem em boa hora. A tal “internacionalização da Amazônia” transformou-se numa espécie de pauta permanente, como se não estivéssemos mais discutindo o mérito da apropriação de nossos recursos naturais, mas sim a criação de estratégias aceitáveis para realizá-la.A lógica simplificada prevê que absurdos soem palatáveis por insistência dos defensores e acomodação da platéia, mudando-se filigranas do discurso para adaptá-lo aos gostos das variadas freguesias. A posse de imensos lotes de florestas por estrangeiros começa a ser edulcorada, sem mudanças em suas consequências, pretextando supostas boas intenções ambientalistas. “Compramos árvores para ajudar a preservá-las”, dizem. Ah bom, pensamos, assim pode. Mas se fosse para cortá-las, uma vez realizados os estragos (a venda e o corte), nada de prático poderia ser feito.E não se trata apenas de destruição, pois apenas os brasileiros (ainda) acreditam que exterminar a natureza é mais lucrativo do que explorá-la. A II Guerra ensinou que devemos desconfiar quando cientistas e políticos se unem para falar em nome da paz e da felicidade terráquea. O mito da colaboração científica entre nações, para benefício da Humanidade, endossa qualquer violência em nome do capital.Não é delírio conspiratório lutar contra o furto de material biológico. Ele ocorre diariamente, num volume que pareceria assustador se tivéssemos mínimas condições de quantificá-lo. Há quem defenda que esses barbudos loiros, coletando borboletas, casulos, sapos, flores, cipós e até árvores inteiras, colaboram com a futura descoberta de medicamentos e demais substâncias benéficas. Mas o uso dos produtos não será estritamente humanitário, pois os laboratórios estrangeiros dominarão suas patentes e monopolizarão os lucros resultantes. Não, eles não estão preocupados com nossos índios.Os que hoje apontam xenofobia na criminalização da pirataria biológica e na limitação das compras de lotes por estrangeiros são aqueles que, num futuro bem menos sorridente, culparão o governo federal por omissão e conivência. Nesse teatro de sombras indiscerníveis, considerando os aportes financeiros envolvidos e a função estratégica das florestas, ninguém é inocente. E os mais perigosos são aqueles que fingem sê-lo.
Guilherme Scalzilli
Historiador e escritor