terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O tantinho e o tantão


Na entrevista que deu à edição desta semana da revista Veja, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), além de acusar o seu próprio partido de corrupto, disse que o Bolsa Família "é o maior programa oficial de compra de votos do mundo". Eu acho que entendi o que o senador quis dizer. Que a pessoa que recebe o Bolsa Família fica tão grata ao governo que se dispõe a votar em candidatos apoiados pelo governo.Não vejo muita novidade nisso. Em geral é assim. Se o governo faz algo de bom para você, é natural que você fique mais propenso a votar na situação do que na oposição. Não sei se o Bolsa Família é —como diz o ex-governador de Pernambuco— "o maior" programa planetário de "compra de votos". Mas ele sem dúvida tem sido eficaz para trazer à administração federal e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoio político entre os mais pobres.Por que o Bolsa Família é politicamente eficiente? Porque dá a um tantão de gente que não tem quase nada um tantinho de alegria para cada um. Há outras maneiras conhecidas de o governo proporcionar felicidade. Em certas privatizações, por exemplo, a turma que arremata ativos estatais a preço de banana fica tão agradecida ao governante que se dispõe a apoiá-lo politicamente. É do jogo.A desvantagem eleitoral das privatizações localiza-se num aspecto muito particular. É que, amiúde, o tantão de alegria que elas proporcionam só beneficia um tantinho de gente. É diferente do Bolsa Família. O multiplicador eleitoral é mais modesto, dado o pequeno contingente de felizardos. Pois, infelizmente, muitas vezes o que sobra para o cidadão comum é a conta a pagar. O Brasil tem um dos serviços de telefonia celular mais caros do mundo. Para não falar na energia elétrica.Voltando ao Bolsa Família, eu sempre me espanto com a virulência dos ataques ao programa, que do ângulo orçamentário é até relativamente modesto. Eu não vejo a gritaria contra o Bolsa Família reproduzir-se, por exemplo, quando o agronegócio vem a Brasília exigir o perdão das dívidas que fez no Banco do Brasil. Ou quando empresários tomam os palácios da capital a impor que o governo abra mão de impostos. No Brasil, dinheiro público dado ao rico significa modernidade. Quando é dado para o pobre, representa atraso e clientelismo.Em relação ao Bolsa Família eu sou radical. Sigo a cartilha do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O programa deveria ser expandido a toda a população, na forma de um imposto de renda negativo. Todo mundo teria direito a uma renda mínima, capaz de evitar o mergulho na pobreza extrema. Para o meu gosto, o governo Lula é até tímido nessa área. Ele costuma ficar refém do discurso das "condicionalidades". Como se a mãe de família pobre precisasse ser coagida para mandar os filhos à escola. Ninguém é idiota por ser pobre.Lembro bem da gritaria que houve na Constituinte quando se implantou a aposentadoria rural universal, independente de contribuição. Diziam que o país não suportaria. Pois bem, hoje a aposentadoria rural, somada ao Bolsa Família, é um poderoso instrumento para movimentar a economia dos pequenos municípios. Num Brasil em que a reforma agrária dorme na gaveta, o repasse de recursos públicos às populações mais pobres do interior ajuda também a evitar um fluxo ainda maior de gente para as regiões metropolitanas.A oposição já perdeu uma eleição presidencial por não saber defender suas privatizações junto ao eleitor. Agora, a julgar pelo discurso articulado do senador pernambucano, arrisca-se a naufragar diante da acusação de que, se vencer em 2010, vai acabar com o Bolsa Família. A oposição nunca soube mesmo lidar com as políticas sociais de Lula. Azar dela.Para quem precisa desesperadamente conquistar votos entre os mais pobres e no Nordeste, a oposição está começando a campanha eleitoral com o pé direito. Isso foi uma ironia. Ou, se quiserem, um trocadilho.


Alon Feuerwerker

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.